O falso e o verdadeiro na internet: relato de um suicídio transmitido pela WWW

suicide_2439218fRecentemente o British Journal of Psychiatry, um dos periódicos de maior impacto na psiquiatria, publicou um relato de caso de um jovem sueco que cometeu suicídio e decidiu transmitir sua morte pela internet. Às 11:51 do dia 11 de outubro de 2010, o jovem de 21 anos criou o tema “enforcamento” em um site de discussões sueco chamado Flashback. Este fórum é conhecido por ser polêmico, já tendo sido alvo de inúmeros processos por conta dos conteúdos das discussões (que frequentemente se tornam acaloradas e radicais). O artigo avalia as mensagens postadas no tópico criado pelo suicida desde a sua abertura até seu fechamento, horas depois de sua morte.

Seu criador, TS (thread starter), anuncia que se enforcará pois cansou-se de sua vida. Diz ter síndrome de Asperger e sentir-se muito solitário. TS posta também que já fez um teste para saber se daria certo o enforcamento, o que dá a entender que está decidido a de fato levar o suicídio a cabo. Escreve então que colocou uma câmera que tirará fotos a cada 2 segundos e posta no fórum o endereço IP da câmera, para que as pessoas o acompanhem.

As reações iniciais ao post são diversas. Mas quase metade das mensagens são de encorajamento para que TS cometa o suicídio. Algumas pessoas o desafiam e TS mostra que está claramente decidido a tirar a própria vida. Em algumas poucas mensagens usuários tentam demovê-lo da ideia. Parecem até surtir certo efeito em TS, que responde “Começando a pensar que eu talvez possa mudar minha decisão sobre me matar, melhor eu me apressar um pouco…”

Às 13:13 TS posta “OK, vamos fazer isso”, e se enforca. O número de mensagens na discussão aumenta em mais de 10 vezes. Mesmo depois do ato, 49% das pessoas comentam de maneira neutra o acontecimento; 27% acham trágico, mas 24% acham o fato engraçado/divertido.

A internet faz com que possamos entrar em contato com uma gama de pessoas enorme. É uma multidão de pessoas, mas que mesmo assim pode nos deixar sentindo sozinhos. Queixa de TS, e queixa frequente nos dias de hoje, não só na internet mas também no mundo real. É um contato restrito; mas que ao mesmo tempo pode ser íntimo. Restrito pois não podemos tocar as pessoas; podemos vê-las mas na maior parte das vezes apenas nos comunicamos por mensagens. Há um chiado no interpessoal. Pode tornar-se íntimo e verdadeiro pois as pessoas escrevem coisas que muitas vezes não têm coragem de falar pessoalmente. Mas a internet frequentemente envolve o falso. Quantos não entram em conversações fingindo ser outras pessoas? Mentindo sobre seus atributos; dizendo coisas que não são. Perfis falsos, correntes enganosas. Já é rotina.

TS disse estar sozinho e procurou, ao transmitir os minutos finais de sua vida, aplacar um pouco sua solidão. Um movimento verdadeiro. No entanto o falso o traiu. Pois muitas pessoas, acostumadas ao falso da internet, e também movidas pelo tabu do suicídio, acharam ser aquilo mais uma brincadeira de um fórum polêmico de internet. Mesmo apesar de TS ter mostrado a seriedade de suas intenções. Uma espécie de defesa por negação por parte dos participantes?

Por fim, apesar de todas as reações ao ato, 62% dos participantes acharam que havia meios de impedir o suicídio. Seja através de mensagens de apoio no fórum, ou ao alertar a polícia, por exemplo.

A internet é um meio capaz de gerar muita mentira, mas ao mesmo tempo capaz de disseminar verdades. O relato de TS mostra que a rede pode ser mais um instrumento para prevenir tais tragédias; seja através da disseminação de informação verdadeira (quebra de tabus; há diversos estudos sobre a “comunicação do suicídio”; o que fazer com ele?), seja através da recepção da verdade que muitas vezes não aparece no real (TS apenas compartilhou suas intenções no plano virtual).


Ref.: Westerlund M., Hadlaczky G., Wasserman D., 2015. Case study of posts before and after a suicide on a Swedish internet forum. Br J Psychiatry 207, 476-482.