Club drug como antidepressivo

ketamineClub drugs é uma denominação ampla que engloba diversas drogas usadas em discotecas nos anos 70 e em festas e raves dos anos 80 aos dias de hoje. Ao contrário de outras denominações, que utilizam-se do mecanismo de ação para classificar as drogas, a club drugs é uma categoria de conveniência, enquadrando inalantes, opiáceos, e estimulantes, entre outros.

Uma destas drogas é a ketamina. Originalmente usada como anestésico (Ketalar), a substância foi uma das club drugs relativamente bastante usadas no auge das raves. Inalada ou injetada, gera estados de transe, euforia, e sintomas psicóticos como alucinações. Seus efeitos são breves, levando cerca de 10 minutos para agir e desaparecendo em 1 hora.

Mas recentemente, além de seu conhecido poder anestésico descobriu-se também um potente efeito antidepressivo da droga.

Nos últimos anos houve um importante desinvestimento na área de pesquisa de novas drogas para os transtornos de humor. A razão disso: clomipramina (Anafranil), um dos mais potentes antidepressivos, foi descoberta em 1964. A fluoxetina (Prozac) foi aprovada para uso em 1987. Venlafaxina (Efexor) em 1993, Escitalopram (Lexapro) em 1997. De lá para cá nenhuma outra droga de grande relevância foi colocada no mercado. Ou seja, há quase 20 anos estamos usando mais do mesmo para tratar a depressão.

Até que o uso da ketamina trouxe novo fôlego para o tratamento dos distúrbios de humor.

O que torna a ketamina tão especial? Nos primeiros estudos, era administrada em forma endovenosa e apresentava melhora dos sintomas em poucas horas. Não estaríamos vendo apenas um efeito igual àquele causado pelo uso recreativo da droga? Resultados mostraram que os efeitos antidepressivos são duradouros e permanecem muitos dias depois de uma única aplicação. Mas, o mais importante: a ketamina não tem nada a ver com os antidepressivos usuais, em termos farmacológicos. Ou seja, enquanto todos os antidepressivos acima mencionados atuam regulando a transmissão de serotonina, a ketamina é um antagonista de N-metil D-Aspartato. Ou seja, envolve um novo sistema de neurotransmissão, bastante diferente.

Quando os primeiros relatos sobre o uso da ketamina na depressão apareceram, foram muitas as queixas, “estão drogando as pessoas para que elas fiquem felizes”. Fiz coro com esta suspeita, de pronto. Mas os testes controlados estão provando que a substância tem um futuro promissor para uso psiquiátrico. Porém, os pesquisadores alertam que ainda faltam estudos controlados para que se possa utilizar a droga comercialmente. Há o receio principalmente do risco de abuso e dependência.

Neste sentido, vale lembrar por exemplo que outra droga percorreu caminho inverso. É sabido que Freud usava cocaína em seus pacientes e também para sua própria satisfação. Por incrível que pareça, foi apenas em 1987 que a cocaína foi reconhecida como droga de adição, sendo listada no DSM-III-R devido aos seus efeitos deletérios.

Se a ketamina vai virar uma cocaína do século XXI ou se será uma nova e importante arma contra a depressão ainda é incerto, apesar dos resultados promitentes. O jeito é aguardar.


 

Ref.: Sanacora & Schatzberg, 2015. Ketamine: promising path or false prophecy in the development of novel therapeutics for mood disorders?