Representações do mal

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No último sábado foi inaugurado um templo satânico em Detroit contendo uma estátua de bronze de mais de dois metros de altura representando Baphomet, um ídolo pagão. O fato gerou grande polêmica no país de maioria cristã. O grupo responsável pelo evento se defendeu dizendo que o templo tem o objetivo de encorajar a benevolência e empatia entre as pessoas. Além disso, dizem que a seita defende senso comum, o sentido da justiça e a liberdade individual. Apesar do discurso, os adoradores de Baphomet acabam frequentemente sendo alvos de protestos e controvérsia.

Não se trata aqui de defender o mal, singularizado pelo público neste caso no culto satânico, mas sim de entender sua função, e compreender desta maneira uma das fontes da polêmica. Pois se fosse unânime ou quase unânime que o culto é uma coisa ruim, não haveria discussão (e tampouco adeptos também). Pode parecer absurdo mas o mal está profundamente implicado na formulação simbólica e na manutenção do bem.

No que se refere à definição do que é o bem e do que é o mal, Platão estabelecia uma relação analógica entre três díades: próprio/coletividade, interesse/valor, bem/mal. Assim, o senso comum aponta com certa vagueza que algo bom deveria dizer respeito à coletividade e a valores que facilitassem a vida em sociedade, enquanto que algo mau se referiria ao seu contrário; egoísmo, interesse em si mesmo, etc. Mas não faz muito tempo que a sociologia se debruçou sobre estes conceitos e os definiu em termos relacionais. O bem só existe em relação ao mal; para cada código pertencente ao bem, existe o seu contra-código relativo ao mal. Cada código só pode ser definido em termos da perspectiva que o contrário proporciona. Um está ligado ao outro não só de maneira teórica, mas também através da maneira como experimentamos a vida em sociedade. Experiências de punição, de exclusão, de repreensão servem não só para rechaçar o mal mas também para fortalecer o bem. Por causa disso, a vitalidade cultural e institucional do mal deve ser continuamente sustentada. A linha dividindo o sacro do profano deve ser desenhada e redesenhada de tempos em tempos ou tudo é perdido; perde-se o parâmetro. Através de experiências como escândalos, pânicos morais, punições públicas e guerras, as sociedades proporcionam ocasiões para se reexperimentar e recristalizar os inimigos do bem. Este processo ocorre não só no plural da sociedade mas também no singular do indivíduo. O conhecimento do mal e o medo dele desencadeia a denúncia do mesmo em outros e a confissão de más intenções em si mesmo, assim como rituais de punição e purificação nas coletividades. Por sua vez isso renova o sagrado, o moral, o bem.

Pânicos morais como os ocasionados pela inauguração do templo ocorrem de tempos em tempos como forma de reforçar o bem. Não só na instância sociedade, mas também em si mesmo. É também uma forma de repelir o mal dentro de si. Afinal, o egoísmo é sedutor e precisa sempre ser mitigado para possibilitar a vida em sociedade. Analogamente, segundo Platão, o mal também é sedutor; afinal, quem não ficou curioso para ver a estátua? Quem gosta de filmes sem Darth Vaders, Coringas ou lobos maus? Não teriam graça.