Angelina Jolie e as cirurgias profiláticas; você faria?

angelina jolie big smile apA atriz Angelina Jolie, de 39 anos, foi submetida na semana passada à retirada cirúrgica de seus ovários e trompas (salpingectomia e ooforectomia) após ter detectado sinais de câncer nos mesmos. Se realmente eram sinais ou não é questionável, mas fato é que não é a primeira vez que ela faz algo do gênero: ano passado já havia realizado uma mastectomia bilateral preventiva, tendo em vista casos de câncer na família.

A notícia dada assim, nua e crua, causa em um primeiro momento certo estranhamento. Soa algo como automutilação, autopunição, exagero, hipocondria, histeria. Por qual motivo poderia se retirar mamas e ovários de uma mulher sem que estes estivessem doentes? A teórica agressividade e radicalidade da atitude corroboram o sentimento de estranhamento. O ultraje aumenta quando se pensa que estão a retirar órgãos (que ainda estão sadios) que caracterizam a feminilidade em alguém que é conhecido mundialmente justo por sua exuberância neste quesito.

Não obstante, o impacto primevo é arrefecido pela aparição de mais dados; Jolie tem uma mutação no gene BRCA1 que lhe confere um risco de 60 a 85% de desenvolver câncer de mama, e de 15 a 65% de desenvolver câncer de ovário. Mulheres de gerações anteriores, mãe, avó e bisavó teriam morrido antes dos sessenta anos de idade devido a câncer de mama ou câncer de ovário.

Desfaz-se o estranhamento e passa-se a compreender mais a atitude da atriz. Não obstante, os questionamentos ainda continuam, ainda pelos motivos anteriores: até que ponto valeria a pena se submeter a um procedimento tão invasivo como este? Aqui geralmente há que se tomar cuidado com os argumentos do exagero, dos opostos, que tomam como exemplos coisas que situam-se no extremo de situações e que geralmente desqualificam ilegitimamente a atitude em questão.

Se fosse uma mutação genética que predissesse um câncer no braço, ou um câncer de pulmão, você faria o mesmo? Comparações inválidas para o nosso caso; pois para pulmão e braço teríamos um evidente prejuízo na retirada destes, o cenário seria outro. Para a mama e os ovários em Jolie os prejuízos não são assim tão evidentes. No caso da mama em teoria teríamos um prejuízo estético, mas este pode ser revertido com implantes e cirurgias plásticas. Teríamos prejuízo funcional para a amamentação, mas Jolie, de 39 anos, já tem seis filhos crescidos. Teríamos prejuízo funcional também no caso da retirada dos ovários; não pela esterilidade, pois como dito ela já constituiu família, mas no caso de uma menopausa precoce. O que também pode ser relativamente contornado com terapias hormonais. Assim, retirar mama e ovários em uma mulher perto dos quarenta, com família constituída, com história familiar repleta de casos de câncer em ambos os órgãos e com mutação genética que aumenta o risco destas doenças, é bem diferente dos exemplos citados no início do parágrafo. Há que se analisar riscos e benefícios para o caso específico.

Por fim, há o argumento do natural. Alguns poderiam falar que uma intervenção médica deste porte na ausência de uma doença é ilegítima. Que as coisas deveriam seguir seu fluxo natural, com o menor grau de intervenção humana possível. Este tipo de pensamento assusta um pouco pois, guardadas as devidas proporções, é semelhante ao do movimento antivacinação que está causando tanto estrago nos Estados Unidos. Sim, usemos aqui o argumento do exagero, pois fato é que muitas pessoas acabam migrando de posturas relativamente ponderadas de se colocarem contra a cirurgia de Jolie para radicalismos como ser contra vacinas, antibióticos e outros tantos benefícios que a medicina e a ciência nos trouxeram.

Mas, retomando o argumento do natural e tratando-o com mais parcimônia, de fato não podemos incorrer no risco de intervir medicamente em exagero, sob o risco de gerarmos mais doença. Assim, trata-se de uma questão de grau. Como nas comparações indevidas que citei anteriormente, temos que recorrer ao caso de Jolie em específico e pesar risco-benefício. E em se tratando de risco-benefício, devemos sempre recorrer às evidências científicas para o caso. Para vacinas, por exemplo, os benefícios são cientificamente mais claros do que os prejuízos. As evidências aí são avassaladoras*. E no caso da retirada da mama e dos ovários? Olhando a literatura vemos que esta discussão não é nova, já está sendo feita há mais de dez anos. O corpo de evidências acumuladas até o momento nos diz que mastectomia e salpingectomia mais ooforectomia profiláticas são eficazes para reduzir drasticamente o risco de se desenvolver tais tipos de câncer em portadores de alteração genética do BRCA1. Se o paciente entende os riscos e benefícios para seu caso em específico, pode optar pela cirurgia, uma vez que a conduta tem embasamento científico.

A atitude pode parecer radical, mas eu teria feito a mesma coisa.

 

* É o caso para a maioria das vacinas; algumas ainda não apresentam evidências suficientes.