A mulher empurrada no metrô e o homicida reincidente – quem tem medo da esquizofrenia?

2As câmeras de segurança do metrô filmam uma mulher  andando pela plataforma, e poucos instantes depois ela é empurrada para os trilhos. Apesar de ter sofrido graves ferimentos a vítima sobreviveu.

No centro-oeste do país, homem culpado de assassinato é posto em liberdade e, pouco tempo depois de ser solto, volta a cometer o mesmo crime, matando outra pessoa.

O que estas notícias têm em comum?

Nada.

A primeira fala de um fato ocorrido em Brasília em 2012, no qual uma mulher, após briga de bar (supostamente gerada por ciúmes), empurrou outra para os trilhos do metrô. A segunda trata de um adulto jovem que matou o padrasto, ficou preso por 30 dias, e quando foi solto matou outra pessoa por uma discussão em casa noturna (expondo uma dura realidade brasileira, a de que 70% dos presos são reincidentes).

O que talvez estes dois eventos tenham em comum é o fato de não terem ganhado tanta repercussão quanto crimes semelhantes cometidos recentemente por duas pessoas com esquizofrenia.

Revisões sistemáticas já apontaram que os níveis de violência em pessoas com o transtorno são iguais aos da população geral. Mas por que estes crimes ganham então tanta repercussão?

Gerhard Falk, sociólogo alemão, diz que as sociedades sempre tenderão a estigmatizar determinada condição ou grupo de pessoas para fortalecer a noção própria de unidade. Alie-se a isso:

1) o sentimento universal de medo da loucura, presente desde tempos imemoráveis na humanidade e muito bem descrito por Foucault em sua obra “A história da loucura”, e

2) as características da doença (isolamento social e demais sintomas negativos, e as ideias e percepções dissociadas da realidade comum como os delírios e alucinações), que são metáforas de certo grau de descompasso com a sociedade,

e temos então a esquizofrenia como conceito caracteristicamente vulnerável ao estigma e à segregação.

Desta forma, tais notícias, ao invés de fomentar discussões sobre os escassos recursos públicos de tratamento para pessoas com distúrbios mentais e sobre o sistema carcerário no país, muitas vezes acabam cristalizando uma falsa conexão entre o conceito esquizofrenia e estereótipos como periculosidade, criminalidade, e assim por diante. É uma ligação direta que alimenta o preconceito por viés de informação.

Não obstante tudo isso, uma última questão: o assassino de Glauco foi avaliado por dois peritos que disseram ser o quadro compatível com tratamento ambulatorial. Ele cometeu latrocínio, roubo seguido de morte, e estava acompanhado de um comparsa. Será que a esquizofrenia foi mesmo a responsável pelo crime?

 


 

(Loch, AA et al. The more information the more stigma towards schizophrenia: Brazilian general population and psychiatrists compared. Psychiatry Res 2013, 205(3): 185-91.)